Depois de uma fase da minha vida da qual nem gosto sequer de pensar e que muitas vezes o meu cérebro finge não ter sido minha há uns anos, passei agora por os 14 dias mais difíceis que me lembro. Não que não tenha passado já por situações muito mais complicadas, de perda de alguém, de dor, de angústia. Mas desta vez foi diferente.
A acumular anos e anos de 6 dias de trabalho por semana, muitos dias seguidos com um número de horas muito acima do normal. Claro que fui aguentando. Eu costumo dizer que aguento sempre acima do meu limite. E aguento. E também aguento o stress e a sobrecarga do meu trabalho. Porque fui eu que o escolhi. E aguento andar sempre a correr dum lado para o outro. Muitas vezes passando 8 horas ou mais sem comer. Mas aguento. E aguento estudar longe e "correr" trabalho, aulas, trabalho com o tempo cronometrado. Há 4 anos estive noutra licenciatura em que tinha que fazer meia hora de caminho e quantas vezes saí do trabalho a "correr", fui ter uma ou duas aulas prácticas e voltei ao trabalho. As noites passava-as a a fazer trabalhos e relatórios. Depois entrei para o mestrado no Porto e fazia cerca de 1000 kms só ao fim de semana. Trabalhava e estudava mas aí o estudo era mais na altura dos exames. O resto considero leitura de enriquecimento.
O ano passado, em Outubro entrei para esta pós graduação em Coimbra. Durante algum tempo ainda fui ao Porto e a Coimbra. Agora ao Porto só muito raramente. Na de Coimbra é que é preciso estudar diariamente. E eu chego a casa e quando já todos dormem (e às vezes antes disso) lá vou estudar 2 ou 3 horas. Chegou a uma altura que tinha 2 exames por semana, porque também me propus a uns exames suplementares para outro projecto que ainda é cedo revelar.
Entre trabalho, estudo, exames, organização de festas (estes últimos tempos têm sido demais)
família, problemas do trabalho para resolver (alguns bem complicados) e alguns problemas graves com pessoas da minha família que muito me tem transtornado, o corpo começou a ceder. E daí ter escrito isto:
Tenho andado demasiado calada. Das diabraduras da minha menina. Dos meus dias conturbados. Das minhas vontades. Dos nossos dias.
Dia 5 de Julho mudou a minha vida. Digo-o com alguma "vergonha" da minha fraqueza. Mas porque este diário não tem só que retratar grandes feitos, mas sim as nossas vidas, aqui estou eu a escrever mais uma página. Para que um dia mais tarde os meus filhos possam ler, sorrir, julgar ou até repudiar.
Há muito que o corpo reclamava o meu estilo de vida. Estranhas reacções, sinais e sintomas que poderiam querer dizer muito ou dizer nada. Fui analisando e fazendo o diagnóstico. Fui aliviando "as dores e as crises" como podia. Naquele dia a crise foi demasiado forte e eu estava sozinha e sinceramente pensei que não voltaria a ver a minha filha. Reagi com a adrenalina toda que tinha, como presa a fugir do predador. Ponderei e pedi ajuda. Àquele a quem tanto confio. E chorei. Chorei como uma criança. Tremi como nunca havia feito. E ouvi.
Ouvi que realmente é possível trabalhar muitas vezes 12 horas por dia durante 6 dias por semana há 6 anos, mas não a fazer o meu trabalho. Ouvi que realmente é possível estudar ao mesmo tempo que trabalhamos mas não, num mestrado e numa pós graduação destas. Ouvi que realmente é possível fazer mil kilómetros para trabalhar e estudar, mas não todas as semanas durante estes anos. Ouvi que infelizmente tenho uma família atípica que precisa muito de mim. Que sou casada e tenho uma filha a crescer. Que se não "preciso" de mimo, pelo menos devo ter disponibilidade para o dar. Que tenho amigos. Que adoro desporto, ler, viajar e neste momento não tenho nada disso. Ouvi, aquilo que sempre soube: que não posso perder a minha família. E que também tenho que fazer por isso. Porque um dia, toda a gente se cansa.
Caí em mim. Percebi que sobrevivo. Que o meu cérebro nunca pára. Já não sei ver televisão. Já não sei estar parada. Já não consigo simplesmente estar. Contemplar. Abraçar. Aquilo que sempre me deu tanto prazer.
Com uma pequena ajuda, estou a repensar a minha vida. A somar prós e contras. Com muitas dúvidas. Com muitos medos. Essencialmente com a sensação de derrota por falhar. E eu nunca me orgulho de falhar. Estou a levantar-me aos poucos desta "queda" e a tentar dar o meu melhor aos meus. A fazer mais feliz para ser mais feliz.
Postado por Patríciangélico às 02:52 Etiquetas: Coisas minhas