quinta-feira, dezembro 23, 2010

A partida

Ontem perto do meio dia e meio recebi uma SMS do R. que dizia:
"A amiga B. já fez a sua travessia para o paraíso. A M. sempre tinha razão, foi passar o Natal com os antepassados, coitadinha. Beijinhos."
A D. B. foi abandonada num serviço hospitalar. Caso social- aguarda resolução. Tantas vezes escrevi estas palavras. Assim saudável. Apenas com uma demência dos seus 86 anos. Anos esses que comemorou no dia 29 de Outubro. Nesse dia estava a meu cargo. Reparei na data. Fui felicitá-la. Vi-lhe correr lágrimas pela face, enquanto me perguntava quem me tinha dito. Se era dia 29. Depois da minha resposta, agarrou-me a mão e disse-me: "És tão querida." Nem sei explicar o que senti. O que fui sentindo todos os dias, quando me chamava de "meu amor" e me confidenciava que "não gosto nada daquele rapaz". Quando há uns dias a vi quase a partir, falei com ela como se me conseguisse ouvir. Pedi-lhe apenas um sorriso para saber que ela estava bem. Sabia que ela me conhecia a voz. E depois de alguns cuidados, e de ela ter melhorado, sorriu-me. Vim de coração cheio dela. Mas com um medo terrível que partisse. Tive esperança que ainda fosse possível ter os seus últimos dias num local em que cuidassem dela como merece.
Ela que me contava situações da sua infância. Que agradecia a Deus cada vez que eu lhe dizia que estava tudo bem. Que me sorria com uma ternura imensa.
Ela que tem um filho que preferiu os seus bens materiais, a partilhar o seu fim de vida. Que a abandonou. E eu não compreendo. Que tudo o que ela possa ter feito durante a sua vida tenha sido assim tão mau, para a abandonarem quando mais precisava. Que rancores guardam as pessoas de um ser indefeso, nos últimos tempos de vida? De uma mãe. Mãe.
À noite liguei para o R.. Estava triste como eu. Como todos que lidaram com ela, lá. Porque sempre dissemos que ela passaria ali o Natal connosco. Não passou.
Partiu ontem já sem doença conhecida. Partiu de abandono. E dói saber isso.

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1 Comments:

At 24/12/10 00:47, Blogger Ianita said...

Dói, de facto...

Mas também dói o facto de não conseguir abandonar alguém assim. Porque era o que merecia...

 

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