segunda-feira, setembro 10, 2007

Da minha avó

Sempre que me for lembrando, vou falando dela porque tenho muito pena que a Mariana um dia já não se venha a lembrar dela. Da "abó bela" (avó velha), como carinhosamente lhe chamou.
E para manter bem vivam, a sua memória.
Para quem a conhece, concordará comigo que a palavra furacão lhe assentava como uma luva. Nunca foi aquela avó típica que faz malha, que fica em casa a criar as netas ou assim. Era bem diferente.
Era como disseram ontem, "toda para a frentex", sem se importar com o que as outras pessoas pensassem disso. Vestia cores mais ousadas para a sua idade. Nunca saía à rua sem se maquilhar e arranjar. Sempre de unhas pintadas, mala a condizer com os sapatos. E uma rosa na mão. Pareciam que lhe nasciam nas mãos. Em todas as ocasiões tinha uma rosa para dar a alguém.
Chamava-se Lavínia e orgulhava-se dele por ter origem estrangeira. Toda a gente a tratava por Livina porque ela achava que era mais fácil dizer.
Todas as semanas saía para a Marinha e para Leiria, onde tinha muitos amigos e amigas. Algumas da sua idade. Muitas bastante mais jovens. Encontrava-se com elas no café, no mercado ou em casa delas. Andava sempre com uma notita na mão para dar a quem a ajudasse ou fizesse companhia.
As crianças gostavam de ir lá para casa brincar e muitas vezes fugiam aos pais para irem para lá. Recebia muitas amigas lá em casa mas não se coibia de quando lhe apetecia, fechar a porta e fingir que não estava em casa. Sorria a toda a gente e gostava muito de conversar. Recebia as pessoas de braços abertos quando chegavam de outras terras e era como uma mãe para elas (tal como me disseram ontem).
Ia para a Nazaré um mês inteiro de férias connosco quando eramos crianças e adolescentes. Só me deixava sair com rapazes (mas tinha que os conhecer primeiro) porque dizia que eles me protegiam (aos 16, 17 anos, o jeito que isto dava...).
Era vaidosa. Muito vaidosa. E depois de nos casarmos, dizia-me sempre a mim a minha prima que não nos desleixássemos. Que nos arranjássemos. Que às vezes vestíssemos saia que ela tanto gostava de nos ver. E se vestíssemos calças de ganga, nunca misturássemos cores diferentes. "Ficava mal"...
Chorava cada vez que tinhamos uns cortinados novos, um carro novo ou passado de ano. Dizia sempre que já não esperava ver isso. Mas esperava. Sempre esperou. E tinha muito orgulho por todos termos tirado um curso. Tal como tinha por os filhos terem estudado.
Não ia à missa mas rezava muito e pedia muito a Deus por nós. Ia muita vez a Fátima e dizia que Nossa Sra a ajudava muito e em várias situações a sua fé parecia fazer milagres. Eu gostava de a arreliar quando ela dizia que tinha sido Deus que tinha feito alguma coisa. Eu acrescentava sempre: " E os médicos, avó". Depois de alguns anos já se ria com a minha resposta mas dizia para termos sempre fé.
Sempre me lembro de não se dar muito bem com o meu avô. Embora passassem fins de semana juntos fora, connosco. Mas não falavam muito. Há uns anos, fizeram as pazes. Nunca me disse o que se tinha passado. Nunca saberei porque o meu avô diz que não sabe também.
Quando eu era pequena eles tinham ovelhas e chamavamos-lhe a avó dos mémés. Já nessa altura, jantávamos todos juntos, os 11, todas as quintas feiras sem excepção. Era sempre cozido à portuguesa. Até o meu pai falecer foi assim.
Ficávamos alguns fins de semana lá em casa e dormíamos as 5 na cama a atravessar. Era sempre uma festa. E para ela eramos tudo. Costumava dizer-me:
"Eu tenho 5 meninas
Para mim são todas iguais
Da mais velha à pequenina
Não sei qual eu gosto mais"
Mudou bastante com a partida do meu pai. Ficou mais reservada. Não saía tanto. Chorava muito por ele.
Ligou-se muito à Helena. Embora também gostasse da Mariana e da C., conviveu menos com elas. Sabia de cor quantas vezes as tinha visto desde que nasceram. Gostava de ter companhia e orgulhava-se que a chamassem avó velha.
A minha avó dos mémés era assim...

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1 Comments:

At 11/9/07 15:47, Blogger Raquel Úria said...

Só soube hoje. Vim mandar-vos um beijinho e deixar um abraço mesmo sentido.
Esta descrição está mesmo carinhosa, ela ia gostar de saber que a marca que deixou em vocês foi tão bonita. Acredito mesmo que sim. Era mesmo uma mulher à frente do seu tempo, pelo que me lembro.

Ainda te hei-de ligar, desculpa mas os tempos também têm sido complicados por estes lados. A vida não é suposto ser fácil, às vezes temos que nos forçar a olhá-la com alguma esperança nos olhos. Um abraço graaande. *

 

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