Sensações
Já tive oportunidade de descrever o meu parto mas há sensações que gostava de nunca esquecer e que um dia a minha filha pudesse saber o que senti no dia em que ela veio ao mundo. Depois de uma viagem de cerca de 90 kms até Coimbra onde cheguei com 5 cms de dilatação, senti-me aliviada. Tinha conseguido chegar ao hospital, o que uns minutos antes me parecia impossível visto ter contracções já de 3 em 3 minutos e muita vontade de fazer força (talvez por ir sentada). A sensação seguinte foi de calma. A enfermeira a sorrir enquanto me fazia perguntas, a dizer que eu ainda estava muito bem disposta porque estava sorridente... Quando passei à sala de observações lembro-me de estar já com alguma dificuldade em despir a roupa para vestir a "saia" para ser observada. Ao ser observada e interrogada já pelos médicos senti-me confiante que iria correr tudo bem mas estava preocupada quantas horas iria demorar o trabalho de parto. Imaginei sempre umas 12 horas porque sempre nos prepararam nas aulas de PPP para estarmos 12 horas ou mais. Quando fui "despedir-me " do Pedro e da minha irmã, já com alguma dificulade em andar, senti-me um pouco só mas optimista: estava ali para ajudar a minha filha a nascer. Enquanto subia no elevador comecei a sentir as dores a apertar. Não me lembro de reparar quantos andares subimos. Quando cheguei à sala de dilatação/parto senti-me feliz: a minha sobrinha tinha nascido naquela mesma sala há 3 anos e eu tinha passado uma noite em claro mas tinha valido a pena. Tinha-a visto vir ao mundo e é uma sensação que não se esquece nunca. Ao entrar na sala lembro-me de pensar no quanto tinha dado jeito aquela poltrona nova, há 3 anos quando passei a noite sentada numa cadeira de madeira enquanto a mana fazia a dilatação. Quando me começaram a ligar os aparelhómetros todos tive medo: será que iria aguentar? Iria correr tudo bem? As dores apertavam e eu sentia que realmente as aulas de PPP tinham valido a pena. Estava a conseguir aguentar-me. Mas quanto tempo mais? A certa altura ouvi: está a entrar em extrasistole e fiquei preocupada. A minha bebé estaria bem? Eu olhava para trás mas não conseguia ver a monitorização. Acalmei-me. Estava em boas mãos e a equipa era um amor. Estavam ali preocupados comigo e com a minha bebé a respeitar as nossas contracções e a nossa dor e tentar aliviar-nos. Quando chegou a anestesista senti-me aliviada porque penasva que iriam passar as dores. Nem pensei muito se a epidural iria doer. Já me tinham dito que não doía e no meio de tanta dor mais uma não faria diferença. Arrepiei-me apenas e concentrei-me em estar quietinha como me disseram. Parámos quando vinham as contracções que começaram a chegar ao limite do muito pouco suportável. Lembro-me de pensar que não aguentaria assim mais 12 horas e que nunca mais me apanhavam lá ( eu que quero ter 3 ou 4 filhos). Mas claro que numa situação de aflição pensamos tudo e mais alguma coisa. Umas horas depois já tinha mudado de ideias. Lembro-me de pensar em adiar o parto para outro dia... Parar tudo por ali, ir para casa, esperar até as 41 semanas ou quem sabe até às 50, 60,... Lol. O que o desespero não faz a uma pessoa...
Quando recebi a epidural fiquei primeiro com medo de ficar incomodada com a sensação de dormência, de não conseguir colaborar e depois fiquei desiludida: a dor não passava. Tive medo quando a médica me disse que podia sentir um choque na perna. Não senti e fiquei aliviada. Estavam cada vez mais juntas as contracções, sem intervalos para descansar. Estava a ficar com medo que a dor ainda pudesse aumentar mais. Enquanto comentavam que não precisava de ocitocina porque as contracções eram das "boas", senti que estavam todos satisfeitos com a minha dor porque o meu querido útero estava fazer o trabalho depressa e bem. Acho que o amaldiçoei por estar a espremer a minha menina e a mim. Enquanto isso pensava que era impossível estar completamente descontraída como na PPP e ia contraindo um pouquinho os dedos dos pés. Pensei que assim estaria um pouco mais aliviada. Continuava a respiração e respondia apenas ao que me perguntavam enquanto sentia que tinha que me aguentar e portar bem. Ao observarem-me e verem que tinha a dilatação completa , que podia fazer força, tive medo que o Pedro não chegasse a tempo. Pedi para o chamarem. Fui algaliada e fiquei a pensar naquilo que tinhamos falado nas aulas de PPP de a algalia poder dar infecções... Mudei de pensamentos, fui sempre olhando para o relógio e "gravando" as horas a que iam decorrendo os momentos. Ouvia pessoas a gritar e bebés a chorar e pensava que era incapaz de gritar mesmo com muita dor e que quem me dera que já fosse a minha menina a chorar. Enquanto fechavam a porta porque alguém ia entrar e não era o Pedro, pensei que ele já não assistiria. Lembro-me de pensar que a dilatação tinha sido muito rápida e que talvez já faltasse pouco... Senti-me aliviada quando vi o Pedro com uma bata azul a dizer Huc. Estava ali o meu amor. Já nada de mal nos podia acontecer... estava com dores mas optimista. Já ia fazer força. Enquanto puxava primeiro de lado e a médica rodava a minha menina e me dizia que estava a fazer tudo muito bem, que aquilo ia doer um pouco mas para aguentar, revi as minhas aulas. Tinhamos treinado aquele momento vezes sem conta. Pedi ao Pedro que me segurasse a cabeça e fiz toda a força que tinha. Aproveitava as contracções e embora já um pouco cansada continuei. Tentei só parar para nova inspiração quando já não aguentava mais. Comecei a concentrar-me só na força e nos miminhos que estava a receber do Pedro. Ele estava a ajudar tanto... Ouvi a médica a falar em " púbica, encravada" mas não senti medo. Nem mesmo quando a vi ir buscar forceps ou ventosa que só soube depois ser uma ventosa. Pensei que tinha que confiar e que estava em boas mãos e concentrei-me no meu trabalho. Senti-me aliviada quando comecei a sentir uma perna dormenete mas ao mesmo tempo tive medo porque a outra perna estava normal. Era uma sensação estranha... Nem me apercebi de ser cortada embora soubesse que tinha sido porque os partos assistidos (ventosa ou forceps) é sempre feita episiostomia. Enquanto me carregavam na barriga e fazia força, pensei que ainda iria demorar muito. Senti um alívio e a barriga a descer como que se a tivessem a despejar. Senti-me aliviada. Mostraram-me a bebé e enquanto olhei para ela senti que não era possível já estar ali minha menina. Enquanto a levavam para a salinha de cuidados para a vestirem tive vontade de chorar. Era um misto de emoções: alívio, felicidade, agradecimento e um só pensamento- já era mãe. Senti-me estranha. Tive pena que não ma tivessem colocado no peito e que o Pedro não tivesse cortado o cordão. Ouvi um número:3 e tive medo que fosse o valor do teste de Apgar. Porque é que a tinha levado logo? Estaria tudo bem? Soube mais tarde que 3 era o peso da Mariana.
Enquanto era suturada e a médica me dizia que me tinha portado muito bem e para a próxima que viesse de véspera e no 3º filho quinze dias antes, senti-me orgulhosa. Senti-me mimada quando o Pedro dividia atenções enter mim e a minha Mariana e sorria felicíssimo. Fiquei superfeliz porque já não tinha dores, o Pedro só me elogiava enquanto brincava: "Estás com óptimo aspecto, pelo menos de cara. Aí em baixo não sei..." Senti-me realmente feliz e adorei ver o meu marido tão feliz. Tinha tido medo que ele não reagisse assim tão bem mas estava ali mais uma prova que ele é um marido (e agora um pai) espectacular.
Enquanto me carregavam na barriga para a expulsão da placenta senti-me aliviada: afinal não dia assim tanto como tinha ouvido falar. Quando a equipa me desejou boa sorte e me prepararam para o internamento, para além de estar já toda anestesiada, estava calma mas ao mesmo tempo eufórica. O meu agradecimento à médica foi o mais sentido possível. Ela tinha trazido a minha filha ao mundo.
Quando olho para trás penso que até reagi muito bem ao que foi acontecendo. Como se o nosso cérebro naquele momento só estivesse preparado para reagir com optimismo mesmo perante as adversidades como a dor ou algumas coisas que pudessem complicar-se. Não houve tempo para pensamentos negativos ou derrotistas. O organismo humano é realmente uma máquina impressionante, que tem a capacidade de libertar substâncias que nos fazem esquecer a dor, reagir em momentos mais adversos e lutar. Parece que foi uma experiência surreal, como se não tivesse acontecido comigo ou tivesse sido já há muito tempo. Como se estivesse comandada para reagir e actuar sempre na direcção certa. Foi a experiência da minha vida... Espero voltar a repetir mas se possível com epidural mais cedo para poder aproveitar ainda mais os momentos. Adoro ser mãe e a minha piolhinha compensou tudo o que sofri. A felicidade é inexplicável...
3 Comments:
Olá, fiquei impressionada e emocionada com o teu testemunho sobre o parto, realmente as mulheres vão buscar forças não se sabe onde para enfrentar um dos momentos mais maravilhosos da nossa vida mas também um dos mais assustadores.
Há algum tempo que leio o vosso blog por isso quero te felicitar e ao papá pelo nascimento da vossa Mariana e desejar tudo de bom para vocês.
Daqui a dois meses vai ser a minha vez de experienciar esse momento tão mágico de dar à luz.
Beijinhos meus e pontapés queridos do David que está à 31 semanas na barriga da mamã.
Emocionei-me com a tua descrição.
Já tinha lido a do parto e agora esta é tão real e sentida, que toca bem cá no fundo.
Parabéns, foste realmente muito forte.
Que emoção ler isto, mesmo sem nunca ter sido mamã!! :) Beijinhos
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